Pérolas da Minha Infância e Juventude (Blog N. 528 do Painel do Coronel Paim) - Jornal O Porta-Voz

quarta-feira, 13 de junho de 2007

TRABALHO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES AUMENTA 163% EM UM ANO

O adeus de Teresa ' ...?

     Há dois textos com esse título. Um é de Castro Alves ( Romantismo ) e o outro é de Manuel Bandeira ( Modernismo)

Vamos ver o de Castro Alves:

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
Castro Alves

Em "O 'adeus' de Teresa", o eu-lírico é um homem, é ele quem abandona, de início, a amada. Na primeira estrofe, o eu-poético narra sua impressão a respeito da primeira vez que viu Teresa. Diz ele: "A vez primeira que eu fitei Teresa,/Como as plantas que arrasta a correnteza,/A valsa nos levou nos giros seus .../E amamos juntos ... E depois na sala/ 'Adeus' eu disse-lhe a tremer co'a fala.". Nota-se que, nessa primeira estrofe, o amado passa por vários estágios amorosos. De início, surge o encantamento, o desejo; depois surge a conquista, a concretização do amor e, finalmente, o abandono. Nesse momento, há a inversão de atitudes , pois não cabe mais ao homem o papel de seduzir, conquistar e rejeitar, mas sim à mulher que, após longos períodos de abandono, sente-se no direito de rejeitar o conquistador barato. O texto de Castro Alves é uma exaltação à beleza e ao erotismo da mulher amada, contudo, a última estrofe revela uma possível traição. Há um destaque interessante no título em que o poeta dá-nos uma pista de quem falará: adeus, pois a palavra está entre aspas, assim podemos entender que ela, Teresa, é quem diz o último adeus. O que choca é em relação ao leitor desavisado, pois o poeta surpreende com este desfecho em época romântica, em que tudo no amor ou dava em casamento ou em morte.

Agora vamos com o poema de Manuel Bandeira:

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo
.........................................

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.


Logo na primeira leitura já percebemos a intertextualidade entre estes dois poemas. Antilírico, o poeta revela distância da idealização, confirmando, na última estrofe, a presença das transformações seja no plano físico, seja no sentimental. Teresa, para o eu lírico, à primeira vista, parece burra, pois a cara parecia uma perna. Depois, no entanto, o olhar sobre Teresa se aprofunda: é um olhar que investiga o olhar. O eu lírico olha no fundo dos olhos de Teresa, e enxerga Teresa além da perna. Teresa tem olhos velhos, e enxergar a alma velha dentro dos olhos não só expressa um interesse como perceber olhos velhos indica uma relação já mais terna. Teresa tem um corpo jovem, mas seu olhar demonstra sofrimento e/ou sabedoria. A aparencia de Teresa é deixada de lado. O terceiro encontro é recheado por magia (os céus se misturam com a terra) e milagre (Deus caminha sobre a água), por uma descoberta de sensações profundas, misteriosas e grandiosas. É o momento em que o eu lírico não enxerga mais nada, ficando maravilhado ao ver Teresa.. Neste verso, por sinal, Bandeira parafraseia, implicitamente, o dito popular "O amor é cego". Impossibilitado de ver, cego àquilo que enxergava até então (os defeitos de Teresa), o eu lírico está realmente apaixonado.

A diferença nos dois textos é que Castro Alves era romantico e havia uma idealização amorosa...Já no poema de Manuel Bandeira, o que vemos é a realidade: apesar de achar Teresa feia, com a convivencia ele acabou se apaixonando por ela. 

Source:

Anna Karina